12/06/2021
Luiz Eduardo Neves dos Santos*
A Geografia é um conhecimento bastante antigo e em toda a sua história sempre esteve ligado, no dizer do geógrafo francês Paul Claval, aos saberes vernaculares, ou seja, aos saberes populares e do cotidiano dos povos, indispensáveis à sobrevivência, à orientação, às cosmogonias, a um sistema de significação toponímica, à descrição de lugares, do mundo, bem como a cartografar territórios, tarefa indispensável tanto aos homens de negócios como aos detentores do poder.
Na Grécia antiga, parafraseando o saudoso geógrafo Antônio Carlos Robert Moraes, é possível eleger três concepções de Geografia: a primeira ligada às reflexões astronômicas (com Tales e Anaximandro), outra ligada a uma perspectiva histórica e regional (com Heródoto) e a última, que apresenta uma temática ecológica, da relação homem/meio (com Hipócrates). É possível perceber, desta forma, a variedade de assuntos e conteúdos inerentes aos conhecimentos geográficos em uma mesma época.
Heródoto, Erastóstenes, Estrabão e Ptolomeu já se preocupavam em compreender o funcionamento do planeta. Descreveram diferentes paisagens e povos, explicaram estruturas sociais de territórios e lugares diversos, ajudaram na medição da circunferência da Terra e a desenvolver e elaborar plantas, cartas e mapas. Na Idade Média, se destacaram nomes como Al-Biruni, Al-Idrisi e Ibn Battuta, todos de origem árabe, que escreveram extensos e valiosos relatos sobre as regiões por onde viajaram, além de terem sido essenciais no desenvolvimento da Cartografia. Marco Polo também fez relatos impressionantes sobre pessoas e cidades ao Imperador mongol Kublai Kahn, até então desconhecidas no ocidente. Suas ricas descrições foram eternizadas na obra O Livro das Maravilhas. A Geografia fantástica de Marco Polo inspirou Ítalo Calvino a escrever um de seus livros mais aclamados, Cidades Invisíveis, um convite a mergulhar nas simbologias, subjetividades, formas e culturas de cidades tão diversas quanto belas.
É preciso salientar que o geógrafo teve um papel muito importante ao longo da História. Seu ofício era de extrema importância desde a antiguidade até o início da Era Moderna. Reis e Imperadores tinham seus geógrafos particulares, que, amiúde, repassavam informações valiosas aos comandos militares, para que estes pudessem traçar estratégias de guerra. Os homens de negócios também precisavam de seus serviços, a fim de projetar novas rotas comerciais e buscar novos meios para lucrar em seus empreendimentos. Assim, o conhecimento sobre diferentes territórios e a necessidade de cartografá-los era algo de suma importância, isto acontecia tanto pelos relatos de expedicionários e aventureiros, como também pela ação dos próprios geógrafos, incumbidos de viajarem.
Nos séculos XVIII e XIX há uma inflexão, a Geografia se diferenciaria dos tempos passados por conta de uma sistematização das descrições, ou seja, era o advento do método científico. É o momento em que a Geografia passa a ser uma disciplina, a fazer parte dos currículos escolares e universitários. Os alemães Alexander Von Humboldt e Carl Ritter passam a ser considerados por muitos os “pais” desta Geografia Moderna.
A Escola de Geografia alemã se desenvolve rapidamente com os trabalhos de Peschel, Ratzel e Hettner e logo influenciam os vizinhos franceses, que na segunda metade do Oitocentos e em todo século XX se destacariam com as significativas pesquisas de Élisée Reclus, Vidal de La Blache, Emmanuel de Martonne, Jean Brunhes, Camille Vallaux, Maximiliem Sorre, Francis Ruellan, Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig, esses três últimos, os grandes responsáveis por formar os primeiros geógrafos brasileiros nos anos 1930 e 1940 em São Paulo e Rio de Janeiro.
No que concerne aos estudos urbanos, Friedrich Ratzel, importante geógrafo alemão, publicou em 1876 a obra “Cidades e Imagens Culturais da América do Norte”, em que traça um perfil descritivo denso sobre dezenas de cidades dos Estados Unidos, nas quais esteve presente entre 1873 e 1874, entre elas Nova Iorque, Filadélfia, Washington, Nova Orleans, Chicago, Boston, dentre outras. Outro trabalho importante da época foi o realizado pelo francês Elisée Reclus. Entre os anos de 1876 e 1894 publicou sua “Nova Geografia Universal. A terra e os homens”, uma obra gigantesca em 19 volumes, na qual menciona, descreve e estuda diversas cidades do mundo, a exemplo de Paris, Londres, Nova Iorque, Chicago e Rio de Janeiro.
Como destaca o geógrafo Pedro Vasconcelos, no período entre as duas guerras mundiais, o trabalho de maior fôlego na Geografia ocidental foi a publicação dos quinze volumes de “A Geografia Universal”, na França, sob os auspícios de Vidal de La Blache e Lucien Gallois (1927- 1937), com várias cidades examinadas dentro dos contextos nacionais e continentais. É também o período de consolidação dos estudos geográficos urbanos, com os trabalhos teóricos do australiano Marcel Aurousseau em 1921 e, sobretudo, com a consolidação do método monográfico de Geografia Urbana, proposto por Raoul Blanchard em 1922, que serviria de modelo para inúmeros estudos de cidades em todos os continentes.
No Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha, datada do início do século XVI, foi o primeiro documento, não só histórico, como geográfico do Brasil. Sua primeira publicação no país se deu em 1817, por iniciativa do Padre Manuel Aires de Casal, autor, naquele mesmo ano, da obra Corografia Brasílica, considerada pelo historiador e geógrafo Caio Prado Junior o primeiro trabalho a conter “um quadro geográfico geral do país”.
Capistrano de Abreu também deu uma importante contribuição à Geografia brasileira, ao traduzir trabalhos de autores alemães, a exemplo da obra Geografia Physica do Imperio do Brasil, publicado em 1884 de Johann Wappäus, Geografhia geral do Brasil de 1889 de Alfred Sellin e O Homem e a Terra, esboço da correlação entre ambos de 1902, de autoria de Alfred Kirchoff.
O maranhense Raimundo Lopes, um dos precursores da Geografia brasileira, publicou também importantes obras na área, das quais se destacam O Torrão Maranhense (1911), Uma região tropical (1916) e Antropogeografia, esta última escrita nos anos 1930, mas publicada somente em 1956 pelo Museu Nacional. Outro precursor brasileiro do início do século XX foi Agamenon Magalhães, sua obra, O Nordeste Brasileiro (1921), “analisou a região à luz dos ensinamentos dos maiores geógrafos de seu tempo, sobretudo franceses”. Em 1922, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lança o “Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil”, organizado por Rodolfo Garcia e que apesar de não ter alcançado seus objetivos iniciais, apresentou informações fundamentais sobre aspectos geográficos do Brasil.
Nos anos 1930, a Geografia brasileira começa a se desenvolver mais, muito em virtude da fundação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE nos anos 1930, e também pela implantação de cursos específicos nas recém-inauguradas Universidade de São Paulo e Universidade do Brasil. Monbeig, Deffontaines e Ruellan, geógrafos franceses, com o auxílio de nomes como Delgado de Carvalho, Aroldo de Azevedo e Josué de Castro fomentaram estudos e pesquisas de campo, que ajudaram a consolidar o conhecimento científico geográfico sobre espaços urbanos e rurais no Brasil, sobretudo, nos anos 1940 e 1950.
Pierre Mombeig (1908-1987) publicou em 1941 um artigo intitulado “O Estudo Geográfico das Cidades”, na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, transcrito no Boletim Geográfico em 1943. Este estudo possui grande relevância porque o autor participou da missão universitária francesa, na fundação da Universidade de São Paulo, durante o período de 1935-1946. O artigo é a tentativa de divulgação e implantação da metodologia nascida na França para o Brasil, sobre o estudo das cidades.
A partir dos anos 1940, geógrafos brasileiros, com formação universitária iniciam pesquisas importantes sobre os espaços urbanos. Tanto a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) quanto o IBGE tiveram um papel crucial neste processo. A primeira importante contribuição foi a obra “A Cidade de São Paulo: estudos de Geografia Urbana”, composto por 4 volumes, organizado por Aroldo de Azevedo em 1948, mas publicado apenas dez anos depois. Dentre os assuntos tratados, se observou tanto descrições dos aspectos físico-naturais da cidade, quanto estudos sobre a população, a evolução urbana e o parque industrial paulistano. Em larga medida, a obra é influenciada pelos estudos monográficos franceses.
Milton Santos também começou a se destacar na metade do século XX após fazer o doutorado em Geografia na Universidade de Estrasburgo. O resultado foi sua tese publicada no Brasil em 1959, intitulada “O Centro da cidade de Salvador: Estudo de Geografia Urbana”, na qual aborda a importância da capital baiana no contexto regional, dando ênfase e valorização à categoria Paisagem, bastante influenciado por geógrafos franceses como Pierre George, Michel Rochefort e Jean Tricart. Em 1965 publica o livro “A Cidade nos Países Subdesenvolvidos”, em que analisa diferenças substanciais entre as aglomerações urbanas do Terceiro Mundo e as cidades dos países industrializados. Em 1975, Santos publica, em francês, seu livro de maior fôlego até então, “O Espaço Dividido”, no qual analisa o que chama de circuitos superiores e inferiores da Economia nas áreas urbanas do Terceiro Mundo. Nos anos 1990, em plena maturidade intelectual, o geógrafo baiano publica obras como “Por Uma Economia Política da Cidade” e “A Urbanização Brasileira”, abordando a região da urbanização concentrada e a metropolização, antevendo o que chamou de “dissolução da metrópole” e “cidade corporativa e fragmentada”, para a realidade paulistana.
Outros geógrafos se destacaram nos estudos urbanos brasileiros, sobretudo no que concerne ao planejamento estatal, a exemplo de Pedro Pinchas Geiger, Speridião Faissol, Maria Adélia de Souza e Roberto Lobato Corrêa, todos contratados por órgãos governamentais no período da ditadura militar. Com a renovação da Geografia, a redemocratização e a expansão da pós-graduação no Brasil, os estudos urbanos na área floresceram, se espalhando nos quatro cantos do país. Atualmente, muitas pesquisas são realizadas em forma de rede, integrando diversos tipos de pesquisas sobre processos urbanos, com destaque para o Observatório das Metrópoles no Rio de Janeiro e a Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias, o RECIME, em São Paulo.
Novos caminhos para a Geografia? Ação Política e Práticas Espaciais
Com a institucionalização da disciplina, os conhecimentos estratégicos sobre o espaço – tanto na Europa quanto no Brasil – são camuflados nos discursos, invisibilizando sua função principal: a análise territorial para a produção e organização do Estado como prática do poder, para fazer a guerra, no dizer de Yves Lacoste. Esse mascaramento ideológico, apartado também da análise histórica, reverberou e produziu um ensino maçante, enfadonho e tantas vezes simplório da Geografia, no dizer de Manoel Sousa Neto, uma “palmatória intelectual” para estudantes, submetidos à alienação de exaltar as belezas da pátria e a um esforço sisífico para memorizar nomes infindáveis de rios, mares, planaltos, serras, montanhas, países, cidades e os mais diversos acidentes geográficos.
Esta ideia de disciplina mnemômica ainda povoa o imaginário de boa parte da população leiga no Brasil, que estigmatiza a Geografia como um saber sem utilidade. Isto também é fruto da fragmentação da disciplina, apresentada ao estudante, desde o primeiro momento, de forma segmentada, dificultando a apreensão de uma abordagem essencialmente geográfica em sua totalidade, o que compromete a formação do profissional e o futuro da disciplina. Por isso que, na atualidade, graduações, mestrados e doutorados estimulam a formação a partir de uma intensa especialização do saber, em detrimento do conhecimento da totalidade.
O geógrafo, em seu trabalho precisa compreender que a condução de uma transformação e uma intervenção na sociedade depende da maneira como se conceitua o objeto de estudo da disciplina e como se analisa os fenômenos que são inerentes a esse objeto. Portanto, mais que uma ciência das localizações e dos mapas, a Geografia se preocupa com o estudo do espaço, na inseparabilidade entre os objetos (materialidade) e as ações (sociedade), construídos e mediados pelo movimento histórico.
É comum observar profissionais de Geografia no Brasil e em outros países que se transformaram em burocratas a serviço de empresas e do mercado. Estes acabam produzindo relatórios, por vezes, viciados, além de mapas digitais em softwares sofisticados com objetivos que atendem aos anseios de certos grupos. Desta forma, como alertou Milton Santos, “o profissional se afasta do cidadão”. É preciso que os geógrafos se identifiquem com o espaço banal, o espaço de todos, do cotidiano, para assim contribuírem com suas análises e críticas de maneira a denunciar todo tipo de injustiça, materializada nos mais diversificados territórios rurais e urbanos.
A universidade brasileira, detentora de um papel importante, possui uma produção considerável de pesquisas em Ciências Humanas e, mais especificamente, em Geografia; é uma espécie de obsolescência acadêmica, uma busca desenfreada pela divulgação de pesquisas científicas, o que é legítimo. Mas o que muitas vezes importa são publicações com objetivos meramente pessoais. O desejo em turbinar currículos a qualquer custo tem, em alguns casos, se transformado em verdadeiro faroeste pela procura incessante de recursos financeiros para bolsas de estudo, melhora das notas em avaliações de pós-graduação, viagens, intercâmbios no exterior e outros dividendos.
Tais atitudes reproduzem um tipo de conhecimento, muitas vezes, descartável, descomprometido com a crítica, distante das reais problemáticas socioespaciais, subserviente a governos, aspectos que se assemelham ao que o filósofo Henri Lefebvre denominou de “Sociedade Burocrática do Consumo Dirigido”, expressão que traduz o caráter racional da sociedade mais o objeto organizado por ela, o consumo. É o reino da cotidianidade, que se caracteriza pela programação não somente do trabalho social, mas igualmente do lazer e do repouso. E porque não, também, da produção acadêmica de Ciências Humanas, incluindo a geográfica?
Será que é possível falar em uma lógica de consumo acadêmico, eivada pela satisfação generalizada de publicações, boas avaliações e ganhos financeiros ao mesmo tempo em que há também uma saturação dessas necessidades, sendo preciso retornar permanentemente a esse grau de satisfação, num ciclo vicioso interminável?
Concordo com Milton Santos quando afirma que o intelectual público “precisa ter uma vontade de abrangência, uma filosofia certamente banal, mas solidamente ancorada nos fatos e na reflexão”, que atinja um número cada vez maior de pessoas. Da mesma forma, o geógrafo e professor da USP, Manoel Sousa Neto, tomando emprestado os ensinamentos do filósofo esloveno Slavoj Zizek, afirma que, “como intelectuais que somos, ou deveríamos ser, a maior parte de nós já não faz críticas, não polemiza, não se posiciona politicamente de maneira clara, ou seja, os bons combates teóricos são pejados como coisas constrangedoras, perda de tempo, retoricismo barato, coisa fora de moda, já que em nome do bom convívio e de relações entre proprietários de uma parcela do negócio-acadêmico deve reinar a boa vizinhança oligopólica”.
Os geógrafos, pesquisadores e professores, sobretudo os mais jovens, necessitam refletir sobre seus papeis neste contexto, desvencilharem-se das armadilhas do discurso sedutor da excelência técnica, da gestão eficaz e da alta e, às vezes, débil produção científica, pois ele mascara uma questão crucial, a da transformação de certos intelectuais da Geografia em “indivíduos unidimensionais”, como na expressão do filósofo Herbert Marcuse, alienados e reificados, justamente por perderem sua capacidade de compreender e modificar sua subjetividade, enquanto se tornam dominados pelo poder de uma lógica produtivista tantas vezes vazia de reflexões e ideias.
O que ajuda a nos diferenciar de outros campos do saber é o raciocínio geográfico, ele é a nossa identidade, a partir dele podemos estabelecer conexões e diálogos com outros campos do saber. Mas o raciocínio geográfico constitui-se, ou deveria constituir-se, antes de tudo, numa atitude política sobre o espaço. Ele supõe não apenas um mero olhar sobre os mapas e as imagens de satélite, mas, principalmente, uma visão analítica e crítica sobre o conjunto de ações em uma dada realidade socioespacial ou, como já disse Milton Santos, sobre o território usado. Quando me refiro à atitude política, falo de um ponto de vista abrangente e prático, sobre as atividades humanas perante o mundo.
As práticas espaciais devem levar em consideração a crescente financeirização do capital e sua acumulação e de como afetam as relações sociais de produção. A pulverização da centralidade do trabalho e o aprofundamento das diferenças espaciais, por exemplo, suscitam assim um impacto gigantesco na política, antes determinada pelas tolerâncias e pelo reconhecimento dos Direitos Humanos. Francisco de Oliveira chamou isso de a “Era da Indeterminação”, período caracterizado pelas novas intolerâncias, tensões longamente acumuladas, racismos adormecidos, fundamentalismos, autoritarismos, novos fascismos e violações de direitos de povos e comunidades tradicionais. A Era da indeterminação é de interesse dos profissionais da Geografia, já que tais tensões se reproduzem no espaço, principalmente nas aglomerações urbanas: protestos, destruição de biomas, poluição atmosférica e hídrica, fome, migrações e a questão dos refugiados, segregações, despossessões, assassinatos de lideranças camponesas, de povos tradicionais e injustiças urbanas.
Urge a consolidação de uma epistemologia mais coesa para a disciplina e a ciência geográfica, livre das amarras do colonialismo acadêmico europeu e anglo-saxônico, alicerçada em bases filosóficas sólidas, aliada ao entendimento de que a Geografia material e seus discursos sobre a realidade são, segundo o professor Antônio Carlos Robert Moraes, “elementos do fluir histórico, sendo por ele explicáveis”. Por isso, é imprescindível que a Geografia se renove do ponto de vista do método e da teoria, se voltando para as “Epistemologias do Sul”, como nos propõe Boaventura de Sousa Santos, não um Sul-Geográfico, mas um Sul-Gnosiológico, um Giro Decolonial como na expressão de Maldonado-Torres, validando conhecimentos e saberes ancorados nas experiências de resistência de todos os grupos sociais que tem sido sistematicamente vítimas da injustiça, da opressão e da destruição causadas pelo poder do Grande Capital, pela permanência material e simbólica do Colonialismo e também do Patriarcado.
Se assim não procedermos, a Geografia corre sérios riscos de não sair do lugar, de se tornar estéril, ratificando aquela máxima do geógrafo de Saint-Exupery de que “nós escrevemos sobre coisas eternas”, dando assim, continuidade a uma vocação histórica perniciosa da Geografia, qual seja a de estar a serviço dos interesses, projetos e discursos dominantes.
Por isso que Yves Lacoste já disse, ao comparar os ensinos de Geografia e História nas escolas secundárias da França, que “não existe Geografia sem drama”, sem as tensões no espaço, sem as contradições nos territórios. São problemáticas que precisam ser assumidas como fenômenos a serem analisados e denunciados no movimento dinâmico da sociedade no espaço.
E é na dimensão do Lugar que se pode compreender o mundo, já que, segundo Milton Santos, “os lugares são o mundo, que eles reproduzem de modos específicos, individuais, diversos. Eles são singulares, mas também são globais, manifestações da totalidade-mundo”. Esse entendimento remete ao lugar enquanto totalidade, já que ele não é um fragmento ou parte do mundo, ele é o mundo em movimento, em sua dinâmica.
Se o lugar é a ordem segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência como já nos apontou Michel de Certeau, as práticas espaciais devem pressupor a construção de valores voltados à tolerância e ao diálogo com os diferentes, ao não conformismo com as injustiças, à filiação a posicionamentos e atitudes críticas em relação ao que é imposto, pois como já escreveu Paulo Freire, a “mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação”.
Por fim, devemos mirar para o legado de Milton Santos se quisermos ser geógrafos comprometidos com a ação política em sentido amplo: “a consciência pelo lugar se superpõe à consciência no lugar. A noção de espaço desconhecido perde a conotação negativa e ganha um acento positivo, que vem do seu papel na produção da nova História”. Essa nova História constitui um caminho para um novo modo de ver e transformar o mundo, o que pode suscitar novas e solidárias práticas espaciais.
*Geógrafo e Professor Adjunto I do Curso de Licenciatura em Ciência Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) CCHNST-Campus Pinheiro. Mestre em Economia (UFMA), doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
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